As ligações históricas entre o Reino de Portugal e o Reino do Congo estão ainda vivas no património de Mbanza Congo, capital da província angolana do Zaire, desde 2017 elevada à mais alta classificação da Unesco.
“Não se pode falar do Congo sem se falar de Portugal”, afirma categórico o gestor do centro histórico, Biluca Nsakala Nsenga, em entrevista à Lusa no espaço da antiga prisão colonial, construída nos anos 50, e que hoje acolhe uma exposição alusiva ao reino do Congo.
Ao longo de 500 anos, os dois antigos reinos, agora repúblicas, batalharam e transaccionaram, alternando entre proximidade e hostilidade consoante os seus interesses que tinham em jogo, chegando hoje a uma relação de amizade, diz o responsável, especialista em antropologia e antigo director da Cultura.
Sobre a elevação a Património da Humanidade, “um trabalho titânico, que demorou anos”, explica que resultou de um cuidado trabalho de investigação para tentar descobrir o que era o antigo reino do Congo “provar a autenticidade dessa cidade” e os seus atributos para ser elevada a património mundial.
Atributos como Kolumbimbi, a antiga sé catedral considerada a igreja mais antiga da África subsaariana, junto da qual se encontra o cemitério onde estão sepultados os reis do Congo baptizados, ou o Museu Regional do Reino do Congo, que foi palácio real desde 1901 e serviu de residência aos últimos monarcas, no século XX.
Aí se encontram vários artefactos, incluindo ofertas de reis portugueses para o seu congéneres da realeza congolesa ou uma réplica da pedra de Yelala, com inscrições feitas em 1485 no decorrer da segunda viagem de exploração marítima de Diogo Cão, onde são visíveis o escudo e a cruz de Cristo.
Há também a árvore sagrada, Yala Nkuwu, que diz a lenda já existia no tempo de Diogo Cão, a estação arqueológica de Tady Dya Bukikua, a árvore secular (Yala Nkuwu) e o túmulo da Dona Mpolo, mãe de um dos reis, que foi enterrada viva no século XVI por desobediência às leis da corte.
“Naquilo que diz respeito à autenticidade, à integridade da cidade de Mbanza Congo, provamos à Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura da Organização das Nações Unidas] que, desde os tempos dos ancestrais do reino do Congo, foi sempre capital. Quando fizemos o trabalho de arqueologia, as escavações, encontramos mais ou menos quatro mil peças. Quando levaram aquilo para a datação nos laboratórios nos Estados Unidos, algumas datavam de 1439”, adiantou.
São Salvador do Congo até à independência de Angola, em 1975, e actual capital da província do Zaire, a história de Mbanza Congo, é também indissociável da história de Portugal.
“Mbanza Congo é muito importante para a Angola, tendo em conta as tradições culturais, espirituais, simbólicas, mas acaba por ser também importante para Portugal, por causa da ligação de Diogo Cão e do contacto que teve também com os reis do Congo”, prossegue Biluca Nsakala, salientando que nos trabalhos arqueológicos e de preparação para a candidatura da cidade a património mundial estiveram também envolvidos especialistas portugueses.
Um dos critérios da Unesco era precisamente a comparação de Mbanza Congo com uma outra cidade, tendo sido encontradas semelhanças com Évora, “a cidade dos intelectuais”, uma comparação que foi feita em 1491 pelo embaixador de Milão em Lisboa.
“Nós não podemos afastar-nos de Portugal, a nossa língua oficial é a língua portuguesa, já é um património nosso”, defendeu o responsável, acrescentando: “Não podemos falar do antigo reino do Congo sem falar de Portugal, devido a essas relações que tinham, desde troca de presentes entre o rei de Portugal e o rei do Congo – que até na altura se tratavam de “nobre irmão” – até à resolução dos assuntos políticos do reino junto com Portugal”, realçou Biluca Nsakala, reforçando que a história se desenvolveu em conjunto.
“Hoje em dia, mantemos boas relações com Portugal e temos muitos visitantes portugueses a procurar o museu e até investigadores”, acrescentou.
Sobre o impacto da classificação da Unesco, declarada a 8 de Julho de 2017, o gestor do centro histórico frisou que “as coisas começaram a mudar a partir de 2012”, com construção de escolas, postos médicos, reabilitação de estradas e abastecimento de água e energia, além de novas infra-estruturas hoteleiras.
Só nesses anos, foram recebidos 11 mil turistas, um afluxo que a pandemia de covid-19 travou desde 2020.
“Estamos a tentar retomar, recuperar”, disse Biluca Nsakala, explicando que a dinamização do turismo passa também pelo artesanato e pela gastronomia.
“É a grande luta. Eu pensava que preparar o dossiê era a fase mais difícil, mas temos estas questões de manutenção e conservação e aí temos de enfrentar a população, sensibilizar os munícipes que há regras para construir em determinadas áreas, para não estragar a parte classificada como património mundial”, referiu o especialista.
Um desafio para o qual contribui a explosão demográfica e consequente construção anárquica das casas, complementou o antigo director da Cultura.